"Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato.
Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato."

Lewis Carroll






quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Os fones e tudo bem ♪

Uma guria dizia que gostava de caminhar por aí, frequentar alguns lugares sozinha e até mesmo andar de ônibus, especialmente a noite. Aquela solidão "acompanhada" agia sob ela como uma recarga de energia, algo realmente potente. Acompanhada, pois ela e seus fones percorriam qualquer distância, ilustravam situações com muita imaginação e som, livravam seus ouvidos de assuntos a princípio desinteressantes, faziam sorrir seus olhos e colorir seus dias por mais cinzas que eles insistissem em parecer.

Certa vez, sem conseguir superar um de seus momentos de distração, a guria pulou da cama e procurou seguir sua rotina, saindo praticamente cômica, tamanha falta de critério ou cuidado na escolha da roupa, ou na arrumação de seus longos e bagunçados cabelos. A obrigação de cumprir o horário e o costume "religioso" de manter a pontualidade, empurrou-a ao seu veículo diário de transporte, a boa e precária "Mercedes coletiva". Entrou, espremeu-se de pé mesmo. Surpreendentemente observou a falta de cor do dia que esforçava-se em nascer, sentiu primeiramente odores desagradáveis, visualizou pessoas pouco receptivas, percebeu o quanto estava cansada. Não notando o que lhe faltava ou compreendendo a bagunça que se iniciava, começou a escutar as histórias das diferentes "companhias" que a circunstância lhe condicionava.

Vivenciou um pouco a rotina prevista da Dona Maria que se locomovia da periferia, como ela, a um bairro ilustre da cidade para fazer a faxina diária e "aguentar a patroa ciumenta, os filhos sem limites , fazer o almoço caprichado, limpar e organizar, mais uma vez, tudo. "
Viajou nos planos que uma jovem confidenciava a amiga, sobre o que faria após a "aula insuportável", onde planejava encontra-se com seu amado namorado e...(essa parte ela não ouviu direito).
Observou olhares ansiosos, dispersos, famintos, tediosos. Moços belos, arrumados e cheirosos entravam e saiam, mulheres de cabelos vermelhos, curtos, sedosos e sebosos também. Idosos seguravam, como uma promessa, seu cartão do banco nos assentos da frente.  Crianças, sempre sorridentes, olhavam atentadas para todos os cantos e movimentos. Aliás, essa guria que não se comovia facilmente, ficou abobadamente animada com o olhar e os "risinhos" de um bebe na sua frente.
 Coisa estranha...o que teria mudado? Era a mesma linha de ônibus, o mesmo horário, praticamente as mesmas pessoas. Aquilo que sempre foi um momento de "passagem" para a chegada no trabalho, similares a  instantes de ausência da realidade crua, modificaram as percepções determinadas e desprezadas até então.
A moça, acostumada a simplesmente se perceber, fantasiar e ignorar as coisas ao seu redor, foi convidada a levar seu olhar para além de seu umbigo. Sim! Na correria o instrumento diário de obstrução e fuga parcial da realidade havia ficado em casa, talvez embaixo das cobertas aproveitando o frio matinal. A "certeza" daquilo que a jovem acreditava ser bom ou ruim, passou por alguns questionamentos e, modificou algumas crenças, inciando, por aquilo que ela realmente gostava de fazer. Ficar SÓ continuava sendo um prazer, mas escutar-se de verdade foi preciso. Também, a percepção de 3ºs proporcionou uma visualização das realidades distintas ou irmãs que existem no seu contexto cotidiano, sem desprezar as belezas das simplicidades e as incompreensões e desapontamentos de outras.
Se desvincular de manias totalmente individualistas, olhar nos olhos, escutar com o coração, saber onde aperta o sapato e, reconhecer o valor de pequenos aprendizados ou batalhas diárias por vezes são necessariamente humanos, não que distração e um mergulho nos próprios pensamentos não seja bom e preciso também.

Ouvir os próprios passos é um exercício irritantemente positivo.


3 comentários:

Vitória disse...

Perfeito.

Luiz disse...

Interessantissimo como sempre. Interessantissima ... como sempre! :D

Luiz disse...

Nunca mais nada?