Aquilo que falta
“O que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a
busca e é preciso andar muito para se alcançar o que está perto.” Esta frase de
José Saramago traduz que o caminho que trilhamos e o valor que depositamos
diariamente naquilo que julgamos especial, é mais importante que simplesmente
atingir nosso objetivo. Conquistar o que se espera é uma alegria desmedida, mas
nenhuma conquista é definitiva e sinaliza apenas o início de vários esforços
para mantê-la.
O encontro sentimental de um casal é um bom exemplo
da complexidade das escolhas, metas e disposições necessárias para além de
conquistar, encantar um coração constantemente. Percebemos no cotidiano uma
fragilidade nas relações sociais, em que o individualismo e a dificuldade em
enxergar o próximo é imensa, refletindo também no comprometimento real entre as
pessoas.
Na era do EU, as ações se direcionam para a
satisfação do imediato, daquilo que independente do contexto proporcione prazer
e nos poupe das responsabilidades que uma vida em conjunto exige. Como usando
um controle remoto, temos voltado e acelerado, trocado de canal, desligado e
ligado várias vezes nossa vida para esquecer ou nos abster da realidade do
mundo, mas neste controle o botão de pause não funciona, pois “o tempo não
para” e deixar para depois pode significar deixar para sempre. Parece que naturalmente
existe uma desculpa racional e frágil, mas socialmente aceita para justificar
nossa escolha pela impotência e inércia. Constantemente ouvimos e dizemos que: “gostaria de ajudar, pena que é muito
longe”, “te amo, mas temos que ir devagar”, “ia fazer, mas não deu”, “não tenho
tempo”. São frases corriqueiras como estas que resumidamente expressam a
dificuldade de assumir o comando dos seus desejos e optar por um caminho onde
se assuma os riscos e delícias consequentes dele.
Muitos sujeitos esperam respostas definitivas e
externas à suas inseguranças, torcem inclusive para que elas cheguem de modo
divino, ou escrito no horóscopo semanal, pois formular e sustentar uma atitude
são coisas que parecem estar relacionadas a uma ousadia que ainda não há
preparação. Pode ser. Ninguém esta preparado para tudo sempre, mas cabe a nós a
tentativa de saciar as dúvidas e, não aos outros.
A confusão geralmente se dá na crença de que podemos
obter somente o que há de melhor no outro quando não nos comprometemos de modo
integral a alguma coisa ou pessoa, mas esquecemos que em qualquer envolvimento
estamos lidando com seres diferentes, carregados de sentimentos e que os
dissabores fazem parte de quem convive intimamente e que somente com eles e na
relação com o outro é que os percebemos e temos a chance de crescer. Juntos a
força sempre aumenta e as dificuldades tornam uma proporção pequena em meio a
tantas visões de que tudo pode ser melhor graças aquele sorriso amigo. Julgamos que a liberdade é simplesmente tomar
as decisões sozinho, é ter pluralidade afetiva, é não se interligar a nenhuma
crença, é ser parceiro até onde isso não vá mudar o percurso. Discordo. Penso
que não há liberdade maior do que aquela construída na confiança, com relações
saudáveis e equilibradas, com trabalhos em que o diálogo auxilie nas
avaliações, com cada um colocando-se no lugar no outro. É essencial saber de
suas prioridades, mas para humanizar os envolvimentos, não é possível ser pela
metade e desconsiderar a bagagem e os anseios correspondentes a cada um que é
especial em nossa vida. Sem utopias, mas
como eternizou Raul Seixas “um sonho sonhado sozinho é um
sonho. Um sonho sonhado junto é realidade” e, nada mais
compensador que ter pessoas que escolham domar seus medos e estejam dispostas a
compreender as lágrimas, os excessos, as gargalhadas e os nossos devaneios.
Qualquer tipo de amor só se entende assim
quando a presença é a busca e o encontro é o caminho.
Um comentário:
Um ótimo texto. Este assunto é tão complexo. Muito bom mesmo. ;)
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